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terça-feira, setembro 20, 2011

Alemanha reduz usinas nucleares sob ceticismo de especialistas

Depois do ocorrido em Fukushima, o governo alemão desligou oito dos 17 reatores e planeja desativar os restantes até 2022

Desde o período sombrio pós Segunda Guerra Mundial, a Alemanha não tinha blecautes tão significativos. No entanto, o país se prepara para essa possibilidade depois da desativação de metade de seus reatores nucleares, praticamente de uma hora para a outra.

Usinas nucleares há muito tempo geram quase um quarto da eletricidade da Alemanha. Mas depois do terremoto seguido de tsunami que disseminou radiação por Fukushima, no Japão, o governo resolveu desligar oito mais antigos dos 17 reatores da Alemanha – incluindo os dois localizados nesta cidade industrial – em alguns dias. Três meses depois, com um novo plano para dar eletricidade ao país sem fazer uso da energia nuclear e uma crescente dependência da energia renovável, o Parlamento votou por fechar as usinas permanentemente. E há planos para aposentar os restantes nove reatores até 2022.

Como resultado, os produtores de eletricidade estão lutando para garantir um fornecimento adequado. Clientes e empresas estão nervosos sobre o funcionamento continuo de suas casas e linhas de montagem neste inverno. Economistas e políticos discutem de quanto será a elevação dos preços.

"É fácil dizer: 'Vamos adotar as energias renováveis', e eu tenho certeza que podemos ficar sem a energia nuclear um dia, mas essa decisão foi muito abrupta", disse Joachim Knebel, cientista-chefe do Instituto de Tecnologia Karlsruhe.

Ele caracterizou a decisão do governo de desligar as usinas como "emocional" e apontou que, na maioria dos dias, a Alemanha tem sobrevivido a essa experiência apenas através da importação de eletricidade das vizinhas França e República Checa, que geram grande parte da sua energia com reatores nucleares.

Depois, há preocupações reais de que esse plano vai abandonar os esforços para conter o aquecimento global causado pelo homem, uma vez que, apesar de suas falhas, a energia nuclear gera poucas emissões. Se a Alemanha, a quarta maior economia do mundo, retomar o uso de usinas de queima de carvão ou passar a depender do gás natural da Rússia, o país não estará trocando um risco potencial por um risco real?

A Agência Internacional de Energia, geralmente uma fã da política alemã de energia limpa, tem sido crítica. Laszlo Varro, chefe do divisão de carvão, gás e mercados de energia da agência chamou o plano de "muito, muito ambicioso, embora não seja impossível, já que a Alemanha é rica e tecnicamente sofisticada."

Mesmo que a Alemanha consiga produzir a eletricidade de que precisa, "a moratória nuclear é uma notícia muito ruim em termos de política climática", disse Varro. "Nós não estamos longe de perder essa batalha e perder a energia nuclear torna isso desnecessariamente difícil."

O governo rebate que está preparado para fazer grandes investimentos na melhora da eficiência energética em casas e fábricas, bem como em novas fontes de energia limpa e linhas de transmissão. Até agora, não houve apagões.

Juergen Grossmann, diretor-executivo da gigante de energia alemã RWE, que possui dois reatores fechados em Biblis, localizada a cerca de 65 km ao sul de Frankfurt, expressaram ceticismo. "A Alemanha, em uma decisão muito precipitada, decidiu fazer experimentos consigo mesma", disse ele. "A política é ignorar os argumentos técnicos."

A Equação Nuclear

Os planejadores da Alemanha acreditavam que poderiam abrir mão da energia nuclear em grande parte por causa do notável progresso do país em energia renovável, que agora responde por 17% de sua produção de eletricidade, um número que o governo estima que vai dobrar em 10 anos. Nos dias em que as turbinas de energia eólica marítimas funcionam a todo vapor, a Alemanha produz mais eletricidade de fontes renováveis do que consome, de acordo com monitores europeus de energia.

A Alemanha "superou as expectativas de todos a respeito da energia renovável", disse Varro, mostrando que ela pode ser rentável e confiável.

Até fechar os reatores, a Alemanha era o principal exportador de energia da Europa.

Com um total de 133 gigawatts de capacidade de geração instalada no local no início deste ano, "havia realmente uma grande folga que possibilitava desligar as usinas nucleares", disse Harry Lehmann, diretor geral da Agência Federal do Meio Ambiente e um dos líderes políticos da Alemanha sobre energia e meio ambiente.

O país precisa de cerca de 90,5 gigawatts de capacidade de geração para preencher uma demanda nacional típica de cerca de 80 gigawatts por dia. Assim, os 25 gigawatts que a energia nuclear gera não fariam falta – pelo menos dentro de suas fronteiras.

Em nome da prudência, o plano prevê a criação de 23 gigawatts por usinas de gás e carvão até 2020. Por quê? Porque as usinas renováveis não produzem sua total capacidade caso o ar esteja calmo ou o céu nublado, e há atualmente uma capacidade limitada para armazenar ou transportar eletricidade, dizem os especialistas em energia.

Os oficiais do governo garantiram que as novas usinas de carvão e gás usarão as tecnologias mais limpas disponíveis e não devem agravar as mudanças climáticas, porque vão operar dentro do sistema de comércio de carbono europeu - em que as usinas que excedem as emissões permitidas tem que comprar créditos de carbono de empresas cujas atividades são ambientalmente benéficas, equilibrando as emissões.

O preço da eletricidade deverá aumentar de 35 a 40 euros (US$ 50 a US$60) por família por cada ano, ou menos de 5%, estima o governo. Embora a energia nuclear geralmente custe menos do que as opções mais novas, a lei alemã há muito tempo estipulou que as energias renováveis devem ser compradas primeiro, mesmo se forem mais caras.

Mas os céticos consideram as premissas do governo excessivamente otimistas. Stefan Martus, prefeito de Philippsburg, acredita que o custo da energia pode subir mais dramaticamente do que as estimativas e que o preço dos créditos de carbono para compensar o uso de usinas sujas é altamente imprevisível e variável, como o valor das ações. Além disso, a Agência Internacional de Energia não acha que a Alemanha – ou qualquer outro país – seja capaz de reduzir suas emissões a um custo razoável, sem a energia nuclear.

Funcionários da agência de energia também questionam as previsões de que o uso de eletricidade cairá 10% ao longo da próxima década, dada a expansão projetada de crescimento elétrico da economia alemã. A família média alemã já utiliza apenas cerca de metade da eletricidade de uma família americana.

"Sim, existe uma angústia alemã a respeito da energia nuclear", disse Cornelius Hildegard-Gaus, prefeito de Biblis. ''Mas se você formular a pergunta: ‘Será que queremos abandonar progressivamente a energia nuclear se isso levar a um aumento no custo e mais risco de apagões?’ A resposta seria muito diferente.''

Uma História Ambivalente

Mesmo antes de Fukushima, os dias da energia nuclear na Alemanha estavam contados. Biblis já foi palco de gigantescas manifestações antinucleares e a Alemanha estava em processo de criar um plano para a lenta e gradual eliminação da energia nuclear até 2023.

O país havia se tornado líder mundial em energia eólica e mestre em implementar mais eletrodomésticos e casas eficientes, depois de ter construído dezenas de milhares de "casas passivas" que faziam uso do auto-aquecimento.

Ainda assim, a chanceler Angela Merkel, uma física de formação, decidiu no ano passado estender as licenças de operação das usinas nucleares no país por preocupação de que a inovação por si só não satisfaça o apetite de energia do país.

Fukushima mudou tudo. O fato do Japão ser um país tecnologicamente avançado fez do acidente nuclear algo ainda mais alarmante para o povo alemão do que o desastre de Chernobyl, em um reator da antiga União Soviética. Apesar disso, especialistas da indústria e moradores de cidades como Biblis e Philippsburg ficaram surpresos com a rapidez da mudança.

As duas cidades vão perder centenas de empregos e milhões em receitas fiscais. As empresas de energia alemãs, no entanto, dizem ter recebido um modelo nacional de energia que parece bom no papel, mas é tecnicamente desafiador. Embora a produção de energia do país seja abundante, eles dizem que não está sempre disponível onde e quando é necessária.

O norte da Alemanha tem ventos marítimos e depósitos de carvão, mas o sul da Alemanha – um epicentro de fabricação de marcas como Mercedes, BMW e Audi – não tem fontes de energia abundantes com exceção da energia nuclear. O atual fornecimento de energia da Alemanha é altamente descentralizado, sem linhas de alta tensão de transmissão de eletricidade para longas distâncias.

"Agora, com o fechamento das usinas nucleares, temos uma tarefa muito difícil", disse Joachim Vanzetta, chefe de operações do sistema de transmissão da Amprion, a maior empresa de energia das quatro existentes no país.

Neste inverno, a Amprion prevê que sua grade terá 84 mil megawatts de eletricidade à sua disposição, para fornecer 81 mil megawatts necessários para o consumo – uma margem de segurança desconfortavelmente pequena, segundo Vanzetta. Em anos anteriores, a eletricidade estava prontamente disponível para compra na rede europeia se o preço fosse certo. Mas a exportação da energia alemã é o que ajudou a manter a França brilhando no inverno.

"No momento, temos um sistema estressado, mas que está sob controle", disse Vanzetta. "Se tivermos dias sem vento e sem sol e não pudermos comprar energia do exterior, então haverá o risco de apagões".

 

Fonte: Último Segundo

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