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domingo, outubro 17, 2010

Voltar à faculdade é o desafio de quem já esteve lá

Ele é impiedoso e não se pode lutar contra isso. Pelo menos ele não faz distinção e passa para todo mundo. O tempo muda as pessoas. Mudam as perspectivas, os pontos de vista e a forma de realizar algumas coisas. E é óbvio que passar novamente pela experiência universitária anos depois da primeira vez é uma situação diferente. Talvez a massa mais jovem, que geralmente predomina nas classes universitárias, nem imagine o que os alunos que retornam precisam fazer para enfrentar novamente essa jornada. O pacote de esforços inclui vencer medos, lidar com a falta de tempo e paciência para algumas rotinas que já não fazem muito sentido, além, em alguns casos, da exclusão que o grupo mais jovem impõe, por vezes de maneira involuntária, outras por preconceito de se relacionar com os mais velhos.

Michelle Calliari, de 27 anos, passou pela experiência de voltar a estudar numa Instituição de Ensino Superior depois de alguns anos de sua primeira formatura. Ela começou, aos 22 anos, o curso de Ciência da Computação na cidade de Florianópolis, onde mora. Porém, trancou a matrícula e decidiu direcionar seu aprendizado para um curso mais voltado à web. Assim, mudou-se para São Paulo em busca desse curso. Encontrou o que procurava: Criação e Desenvolvimento de Websites, que fez na Universidade Anhembi Morumbi. Pouco antes do fim, Michelle retornou para a capital catarinense e fechou a primeira graduação na modalidade a distância.

Depois disso, ela quis retomar o curso que havia interrompido anos antes. Foi aí que ela teve de encarar o retorno à faculdade. Michelle admite que já não tem a mesma paciência para algumas coisas, como teve antes. "Falta paciência sim. Antes só tinha de estudar, não tinha trabalho, não tinha de pagar contas", diz ela que também revelou certo desconforto com algumas matérias do curso. "Já tenho certo conhecimento da coisa e tem algumas matérias que poderia eliminar, mas não pude. É uma perda de tempo. Você não aprende nada de novo e é obrigado a cursar". No caso de Michelle, a diferença de idade em relação aos outros alunos não é muito grande e, por isso, ela não reclama tanto da falta de interação com os colegas de sala, mas confessa que se dispersa mais facilmente agora do que no primeiro curso que fez. "Às vezes, estou cansada do trabalho e me disperso mais. No primeiro curso tudo era novidade, então prestava mais atenção. Também não trabalhava naquela época", afirma a estudante.

Mas no que diz respeito às distrações em sala da aula, há quem garanta que na volta aos estudos, depois de um tempo desde a primeira vez na universidade, a concentração melhorou. É o caso da funcionária pública Adriana Coelho Sobierajski, de 42 anos. A primeira experiência universitária aconteceu quando ela tinha 19 anos e cursava a faculdade de jornalismo na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Só que Adriana precisou abrir mão do curso por causa do nascimento do primeiro filho dela. Ela logo retornaria, mas novamente abandonaria a faculdade em função do nascimento de mais um filho. Finalmente, em 1998, 14 anos depois do abandono, Adriana resolveu voltar e entrou com pedido de retorno. Em princípio a solicitação foi negada, mas seis meses depois ela recebeu o aval da universidade e estava novamente, os 33 anos, numa sala de aula.

O choque de gerações foi o primeiro obstáculo a vencer. "Em 1984, eram todos da minha idade. Na volta não, tinha 33 anos e a média da classe era de 18 anos. Foi complicado, houve várias barreiras que tive de quebrar. Vamos dizer que houve uma certa exclusão por parte dos demais. Não era convidada para compor grupos dos trabalhos. Isso durou mais ou menos um ano", conta Adriana. "Acho que foi um preconceito deles por ser mais velha. Tem a ver com um pré-julgamento deles, que deviam imaginar que por ser mais velha não saberia conversar com eles, era o que eu sentia. Havia situações em que fazia uma pergunta para um colega e ele não respondia, fazia que não tinha ouvido", lembra.

Adriana usou sua atitude para mostrar aos colegas que podia fazer parte do grupo. "Procurei fazer parte das discussões em sala de aula, mostrei a eles que era competente, que era capaz tanto quanto eles. Acho que eles olhavam para mim e personificavam uma tia e isso foi uma barreira no relacionamento entre nós", acredita Adriana, que afirma que o trabalho e o cuidado com os filhos a impediam de participar de eventos sociais com os colegas, como ida a bares e festas. "Mas nem era convidada. Ficava triste porque queria mostrar que podia me relacionar com eles", destaca.

Da mesma forma que Michelle, Adriana também não tinha paciência para algumas rotinas da faculdade. Ela conta que alguns trabalhos aplicados pelos professores a deixavam entediada. "Parte daquilo não fazia mais sentido para mim, até em função de minhas expectativas para o futuro". Ela só discorda do relato dado por Michelle na questão da distração em sala de aula. Para Adriana o retorno proporcionou um aprendizado mais eficiente. "Já que saí de casa, peguei dois ônibus, deixei meus filhos, tinha de aproveitar ao máximo. Não tinha vergonha de perguntar. Você repara que os mais jovens, às vezes, têm vergonha de perguntar alguma coisa que não entenderam, mas eu perguntava. Você se dispõe a aprender tudo", declarou. Adriana acha que o saldo do retorno foi positivo por poder aprender mais e adquirir mais conhecimento. Ela só lamenta não ter podido conviver mais com os colegas depois das aulas. "Podia ter quebrado aquela barreira antes se tivesse participado mais das festas".

Lúcia Terra Lousada Santos, de 54 anos, concorda que se concentra mais do que antes e aproveita melhor os estudos agora. Atualmente no quarto ano do curso de Direito na Unip, Lúcia se formou em 1976 em Pedagogia, quando tinha 22 anos, na cidade do Rio de Janeiro. Quando chegou a cidade de Araçatuba, no interior de São Paulo, não encontrou muitas oportunidades de trabalho por isso resolveu voltar a estudar e escolheu uma área em que não dependeria de outras pessoas para ter trabalho. "Hoje estou mais centrada, já não desvio tanto a atenção como quando era jovem. Eles se dispersam com mensagem de celular, colega que chama... Eu me concentro mais, presto mais atenção, a idade ajuda", acredita Lúcia.

A pedagoga e futura advogada disse não ter tido grandes problemas no contato com os mais jovens. "Não acho complicado lidar com os jovens. Não houve preconceito nem de minha parte e nem da parte deles. Admito que no primeiro dia fiquei meio insegura, não sabia como seria recebida, mas ninguém ficou me perguntando coisas, me viram como colega mesmo", opina Lúcia. Mas é claro que a diferença de maturidade entre ela e os demais cria certa intolerância em Lúcia em relação a algumas coisas. "Tem muito jovem que não sabe bem o que estudar e escolhe Direito. Então tem muita conversa, falta de interesse por parte de alguns, celular que toca, professor tem de chamar atenção. Isso me incomoda, a falta de maturidade", queixa-se Lúcia. Ela observou ainda que a idade pode atrapalhar na conquista de uma vaga de estágio. Mas no geral, Lúcia achou positiva sua volta aos bancos universitários. "O mais legal é adquirir conhecimento e também conhecer pessoas novas".

Visão do professor

A presença de um aluno mais velho na turma não gera impacto apenas entre os estudantes. Os professores também sentem os efeitos. A fisioterapeuta, Elisângela Weigel Schappo, 26 anos, mestre em Ciências e professora do curso de Fisioterapia da Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina já lidou com a situação e avalia: "é um pouco complicado ao mesmo tempo que parece fácil, para quem vê de fora". Segundo Elisângela, aqueles que retornam à faculdade com mais experiência de vida e mais idade trazem consigo alguns vícios. "Geralmente, eles já possuem alguns vícios de trabalho provindos das experiências anteriores e se o sujeito não está nem um pouco afim de 'zerar' essas informações e ficar disposto a ouvir, não tem jeito, as aulas acabam ficando enfadonhas. Outro problema que percebo dos colegas professores é o comportamento de disputa, ouço aqueles comentários: 'quem você pensa que é? Acha que sabe mais do que eu?'", revela ela.

Além disso, Elisângela diz que o fato de ser mais jovem do que alguns desses alunos é mais um fator nessa equação que envolve as relações em sala de aula. "Nesses casos sou colocada a prova por eles. Sempre tento fazer com que ele contribua com o que viveu", afirma ela, que completa a raciocínio ao admitir que esses alunos podem se tornar "alunos aliados", que enriquecem a aula. "Da experiência que tive, percebo que inevitavelmente somos e sempre seremos mestres um do outro. Todo mundo aprende um pouco com o outro e é isso que tento repassar. Até porque, vejo que a experiência se adquire com o que se assimila da vivência com as pessoas e não pelo número de aniversários feitos", finaliza a professora.


Fonte: UNIVERSIA-BRASIL

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